terça-feira, 29 de abril de 2008

Que bom que você amadureceu assim, tão incrivelmente... Não te agüentava mais me acordando às seis horas com aquele jeito frio, egocêntrico, só pensando em si, sem se preocupar com a minha disposição, com o meu início de dia. Enquanto você ficava olhando a passagem das formigas e moscas de nossa casa, como um vegetal, eu ia arrancar o suor do meu corpo pra te dar sustento. Eu reclamava contigo, e só ouvidos de mercador... Você achava isso bonito?

À noite, até que não era tão ruim, depois de um dia sórdido de trabalho, a tua frieza parecia-me a plenitude do calor, mas, no dia seguinte, depois de bons sonhos com os amores que gostaria de ter, você me acorda novamente, sem muitos sorrisos, agrados ou aconchego. Ah... Aconchego? Coitada de mim. Só poucas vezes ao ano eu ia ter com os vizinhos, quando você resolvia não vir mais a minha casa, revoltado com o fato de eu negar alguns tostões pra sustentar a sua atividade-inativa, de quem faz por pressão, mecanicamente.

Depois de algumas sessões de análise, você virou objeto de estudo para tanta gente, amorzinho... (Estou aqui para tudo, tá bom?). E agora, um ser completamente diferente do que eu havia conhecido. Adoro te ver me acordando de manhã com os teus líquidos quentes passando por dentro da minha boca, seios e sexo. Adoro sentir o cheiro do teu xampu de pêssego. Como você está diferente, meu amor. Durante o meu dia de trabalho, só penso em você encima de mim, jogando teus líquidos quentes, me amando, me limpando.

Ai como eu amo o meu chuveiro...

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Lembranças da minha infância como borboleta

A verdade é que temos um ciclo de vida bem diferente do das borboletas. Elas amadurecem nos seus casulos e abrem os olhos e asas para o mundo, jardim de tantas flores, e cores, e animais, beija-flores e mariposas. O ar deu fôlego ao crescimento das asas, em busca da absorção de liberdade. Gosto do contato, das sinestesias ímpares, mas perfeitas.

Eu, humana, nasci borboleta. Borboleta-pequenina. De várias cores, como as borboletas dançarinas de Vinícius. Nasci borboleta bailarina, feliz por viver entre outras borboletinhas inocentes e ansiosas pelo céu azul com nuvens de algodão.

Como a metamorfose das mariposas, transformou-se o jardim em pântano, alagadiços misteriosos que me traziam mais medo do que conforto. Fui virando borboleta castrada, sem tanta liberdade de vôo. Depois fui pegando gosto, ou me acostumei ao receio do antigo belo, passando a me recolher um pouco das minhas viagens de borboletinha.

Em pouco tempo, me recolhi a um casulo, o princípio de vida das verdadeiras borboletas, amáveis e não-humanas. Não-humanas por serem amáveis. Cresci naquela crosta protetora após a visão do pântano, dos animais selvagens, dos terrenos alagadiços, das nuvens em estado condensado.

terça-feira, 15 de abril de 2008


Queria agora carinho na orelha e beijinho no nariz pra dormir mais leve, mais Bai.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Eu - descartável


Foi numa mesa de um café que muita coisa mudou para ele. Não que as substâncias provenientes do café proporcionem mudanças de pensamentos naqueles que as ingeriram, mas coincidentemente, tirou algumas conclusões naquele canto mesa-de-um-café.

Fábio sempre foi um pouco porra-louca, adorava os excessos, a forma externada do seu espírito de bon vivant, mas, na verdade, em vez de aproveitar de tudo um pouco, era de tudo um muito, dez muitos. Sua casa se tornou um retiro para os excessos quando descobriu a sensação anestésica de se viver, quando tomou o primeiro porre e achou demais subverter a rotina em prazer de uma forma tão fácil e rápida. Em pouco tempo - voltemos a casa -, os seus tapetes, e camas, e pensamentos, ficaram sujos de cinzas, cigarros, pileques e esperma, sujos do que é descartado após a filtração do prazer.

Tinha muitos amigos. A maioria descartável também. Conhecia gente pra caralho, fazia a social como um bon vivant e, por conta disso, estava em todas as festas, seja por importância afetiva, ou talvez por conseguir tornar um lugar mais louco, mais interativo e popular. Era popular, cheio de amigos pode-pular.

Pensava algumas vezes nos tempos em que viveu na fazenda do avô, e nos dias eternos em que tentava resolver, sozinho, as perguntas sem respostas quanto aos seus pais, nunca mais vistos desde os cinco anos de idade do garoto. Desistiu de superar a tristeza, superando as investigações, mas continuou triste, sublimando, na verdade, o significado da palavra superação. Procurou um caminho menos árduo. Foi para a cidade fincar outras raízes, freqüentou boate gay, sambão de terreiro, festa high society, praia de naturismo, missa de domingo, procurou raízes, sim, feito um louco em busca de sentido.

Conheceu Marina numa fila de livraria, ela comprava para presente um filme pelo qual ele era apaixonado. Conversaram pouco tempo sobre filmes e diretores, trocaram e-mails com a intenção de depois trocarem “figurinhas”, informações em comum sobre cinema, na verdade. Foi além. “Na praça central”, combinaram, “leva o filme que te pedi”, “leva pra mim aquela receita de café mentolado que você me falou que sabia fazer”, “vem aqui em casa, faço pra você”, “tudo bem, então”. No domingo Fábio foi visitá-la. Marina estava com um apartamento temporário, já que estava na cidade apenas para fazer algumas pesquisas para o mestrado que estava concluindo.

Conversaram a tarde inteira, prolongaram para a noitinha, como se já houvessem construído uma relação de confiança. Estranhou-se depois o surgimento de tanto desejo para as confidências, como se fosse necessário para os dois o conhecimento da vida de um e do outro. Tomou o café. Marina contou dos sonhos que teve durante toda a vida com uma velha de cabelos brancos que sempre caminhava na beira de um mar, arrastando um pedaço de madeira e fazendo movimentos circulares. Algumas vezes a senhora surgia no sonho um pouco desfigurada, e o mar um tanto revolto, às vezes ela aparecia em extrema conformidade com o tempo, com o movimento lógico de causa e conseqüência do mar. Disse que talvez sonhasse com a velhinha por nunca ter construído uma relação com seus parentes mais velhos, já que morreram antes do próprio nascimento. Bem ao contrário de Fábio, que viveu com o avô, mas nunca conheceu o pai. Nem nunca teve sonhos que expressassem alguma ausência. Marina falou sobre o seu primeiro beijo, com uma árvore bem molhadinha do jardim da sua casa, Fábio falou da prostituta com a qual se relacionou e depois não pagou, por já ter gasto todo o dinheiro com bebidas e cigarros. Marina sorriu e deixou à mostra os dentes brancos como leite. Olhou para ele como se visse nos outros olhos os vestígios de um vácuo de sentimentos.

Nunca mais se encontraram. Fábio tentou até telefoná-la algumas vezes para se despedir, para dizer “que bom que te conheci”, ou então, “que ruim que te conheci, vou ter de perder mais outro alguém que me fez tão bem”, mas o sinal do telefone era sempre de número inexistente. O que faria, agora¿ Voltou às ocupações diárias. Recebeu a proposta de trabalhar em uma empresa de telecomunicações (vai ver que a efervescência social proporcionou, pelo menos, algumas oportunidades), mas continuou a freqüentar os mesmos ambientes com as mesmas pessoas. Esqueceu, sim, daquela figura tão estranha, mas tão enovelada de aconchego que conheceu.

Certo dia foi para a livraria comprar uns livros de poesia erótica que já haviam lhe contado. Sentou na cafeteria. Pediu um café mentolado. Lembrou-se imediatamente de Marina, do cheiro da casa dela de armário antigo, do dia em que se encontraram e tomaram o café. Nunca sentiu tão intensamente o cheiro da menta naquele dia. Fábio sentiu o coração apertar, o medo de encarar a si próprio após tanto tempo de fugas e afogamentos alcoólicos. Lembrou dos amigos que teve, dos prazeres que sentiu, da decisão que tomou ao morar no centro urbano com a intenção de encontrar raízes, encontrando, apenas, galhos secos. Lembrou que vivia em um tempo de renovação, produção e descarte, de inundações de vazios.

quinta-feira, 3 de abril de 2008


Sinto falta das facilidades de resolução de problemas tomadas pelos meus heróis de infância. Que tal uma ratoeira para um rato, um bico para o pica-pau, o zaz do Chaves, os poderes das powerpuff girls? Queria ter um teletransportador para um universo onde a gente pudesse tomar sorvete e não engordasse, correr, mas não cansar, ter mais tempo para estudar, ou, quem sabe, já nascer com o processo evolutivo do cérebro de Da Vinci. Queria um puta mundo mais legal.


Esse texto é perfeito, coloquei um trecho apenas. P. Mendes Campos se refere ao livro Alice no País das Maravilhas, observando alguns episódios para auto-reflexão. O tal livro é infantil, mas, ao mesmo tempo, não é.

"Os milagres sempre acontecem na vida de cada um e na vida de todos. Mas, ao contrário do que se pensa, os melhores e mais fundos milagres não acontecem de repente, mas devagar, muito devagar. Quero dizer o seguinte: a palavra depressão cairá de moda mais cedo ou mais tarde. Como talvez seja mais tarde, prepara-te para a visita do monstro, e não te desesperes ao triste pensamento de Alice: "Devo estar diminuindo de novo". Em algum lugar há cogumelos que nos fazem crescer novamente.E escuta esta parábola perfeita: Alice tinha diminuído tanto de tamanho que tomou um camundongo por um hipopótamo. Isso acontece muito, Mariazinha. Mas não sejamos ingênuos, pois o contrário também acontece. E é um outro escritor inglês que nos fala mais ou menos assim: o camundongo que expulsamos ontem passou a ser hoje um terrível rinoceronte. É isso mesmo. A alma da gente é uma máquina complicada que produz durante a vida uma quantidade imensa de camundongos que parecem hipopótamos e de rinocerontes que parecem camundongos. O jeito é rir no caso da primeira confusão e ficar bem disposto para enfrentar o rinoceronte que entrou em nossos domínios disfarçado de camundongo. E como tomar o pequeno por grande e o grande por pequeno é sempre meio cômico, nunca devemos perder o bom humor." Paulo Mendes Campos, Para Maria da Graça

Sem mim, senti

Para mim tudo eras tu.
Teus olhos em mim
doeram deveras,
Vi-me mais perdida que dantes:
mais em ti, menos em mim.

Engoli meu choro, chá, xarope,
Vendo em ti minhas curas
com minhas drogas chulas,
Vendo em ti meus dedos – nos teus ventres,
minhas pernas entre as tuas,
meus olhos nos teus meio-passos mal-andados,
Mas minha mente meio-sã, bem consciente
Do que era livre e leve, e foi guardado
A sete chaves

Para eu te perder de ti
Perdendo-me de mim
A fim de nos possuirmos sem identidade
Criticidade
Ou que quer que fosse legítimo
ou definido.