segunda-feira, 30 de março de 2009

Crônica do amor futuro em tempo presente

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O passado

ESTÁ LÁ a nossa foto na prateleira. Já se passaram alguns muitos anos. Estamos nós naquela foto da nossa prateleira da nossa casa. Loucura, chiclete & som. Óculos retrós, cabelo ao vento, amor e flor. Árvores ao redor, peles lisas, câmera postada no joelho, blusa branca. Dias brancos de uma juventude vivida a dois, em duo. Lembro dos seus olhos olhando os meus atos, como dois vigias incansáveis, mas amantes do objeto a ser velado nas mantas mais bem bordadas. Mantas engomadas com cheiro de... Aquele cheiro seu que nunca consegui identificar – de xampu, sabonete ou perfume. Um cheiro gostoso. Acho que de breu branco.

O passado me traz cheiro de breu branco. Cor de luz amarela. Tacto de cego. Som de flauta andina. Som de paz. O nosso passado tem sentido, sim. Os seis. Tem percepção. Sei cada momento vivido e o quanto esperamos por eles. Os pensamentos tiveram ligações. As minhas palavras. Os seus traços. Foram todos coerentes. E ao mesmo tempo inesperados. A gente sabe disso.

A gente sabe onde essa foto foi tirada. Eu sei o quanto de breu branco senti. O quanto de luz enxerguei. A gente sabia do nosso tacto de cego, supersensível. Hoje, você no terraço, eu na sala, sabemos de tanta coisa que nem sabíamos que um dia iríamos saber de tantos saberes dos mistérios sobre o breu branco, a luz amarela, o cego, os Andes, a flauta e a coerência, que deve, pelo menos ela, ter alguma ligação com tudo isso.

O presente

- Olha essa foto. Lembra?
- Sua pele não tinha rugas.
- Nem a sua.
- Você toma muito café.
- Um dia, você vai parar de me mandar parar de tomar café.
- E um dia você vai se arrepender de ter bebido tanto café.
- Não me importo.
- ...
- Achei aquela flauta de madeira que compramos no Peru.
- Sonhei que você me acordava tocando flauta.
- Falando dos Andes?
- Sim.
- Não foi um sonho, baby. Foi verdade.
- ...

terça-feira, 10 de março de 2009

É boca de fumo

banca de fama

facto de beco

fétido

fado de bar

enfadado

bando de filho

feroz

É favela

fim de semana é fava, é feijoada

domingo de vela

sexta, só dela

É filho do fumo

do beco, do bar, do bando

filho de santo, filho de Banto

filho de Lula e da mula

É fim de estação

no fim da Estação

É um fardo

um mar de fama

um cheiro fétido

Nossa Senhora Desatadora dos nós:

É o destino enfadado

de um homem feroz.