sexta-feira, 15 de julho de 2011

Assim vivem os seres humanos II

Debates em sala: existe a metade da laranja?

- Eu acho que sim.
- Você já encontrou a sua?
- Não, ainda não... Mas, sabe, professora, acho que existe.
- Hum... Entendo... E você, queridinha?
- Não, professora! Assim, na realidade existem várias metades da laranja.
- Então se existem várias, não existem uma metade, existem quartos, quintos de laranja.
- É! Pode ser...
- E você? Acha que existe a metade da laranja?
- Sim.
- Já encontrou?
- Já.
- Olha que menino fofinho! Sua namoradinha não é, queridinho?
- Não. Não estou mais com a metade da minha laranja.
- Mas o que aconteceu então?????
- Laranjas não se reconstituem. Metades de uma laranja não ficam juntas. Não dá certo.
- Então a metade da sua laranja existe por aí? Vivinha e longe de você?
- Sim...

Assim vivem os seres humanos I

Conversando com uma amiga sobre o seu relacionamento atual, ela me disse:

- É o amor da minha vida, só não faz parte dos meus sonhos.

Somente.

Que ces't triste Recife...

Recife às vezes é intragável. Feito cachaça. Não dá não. Rasga a garganta antes de ir para o estômago e, quando chega nele, deixa as pernas bambas. É desequilíbrio viver em asfalto furado, sentir o paradoxo do sol e chuva, beber a água suja do Beberibe, cheirar os esgotos abertos, olhar meninos barrigudos, mas mortos de fome. Todo dia, todo dia. Aqui PE na janelinha do carro todos os dias. Carro quebrado, pneu furado em mais um buraco negro da cidade. Ônibus empanturrado de sardinhas humanas. Delícia. Era bom um teletransporte na cidade do caos-do-quando-chove. Recife não dá pra ser humano não. Dá para super-heroi. Um Buda. Uma Shiva. Ser humano vive em cidade melhor, porque caos é para quem tem super-poderes.

Recife merece alcoólatras. Muita cachaça todo dia. Todos bêbados e felizes na cidade das buzinas que não param, dos buracos que não são tapados, dos impostos que não são aplicados, dos "nãos" que são recebidos todos os dias santos. Recife merece uma multidão de bêbados porque limalha se dá bem com ferro, e a cidade, por si só, é um barril de cachaça.

No dia a dia do "bém-bém", ninguém se lembra das ruas de Manuel Bandeira, dos povos míticos e sagrados de Ariano Suassuna, dos botequins artístico & escatológico de Cláudio Assis, do mangue de Chico Science, da arte de Brannand. Ninguém se lembra dos poetas Miró e Erickson Luna. Do bairro dos artistas. Dos dias nos mercados. Ninguém se lembra das belezas do Recife porque, há tempos, o Recife deixou de ser belo. Rios, pontes, overdrives e nenhuma escultura de lama. Nem mangue mangue mangue mangue...

Eu sou você

Quando a aliança caiu no bueiro, a gente achou que as agulhas não pertenciam mais ao mesmo palheiro. Engraçado, né? As existências estão cada vez mais materializadas. Fome é falta de comida. Dor de cabeça é falta de Dorflex. Ansiedade é a espera pela próxima liquidação. Engraçado foi pensar que a aliança no bueiro findaria aquela nossa história - longa, linda, mas tão complicada. Complicadíssima. Joga essa aliança na rua. Que coisa. Acaba com isso. Render história ruim é viagem. E a aliança, comprada em uma lojinha da Boa Vista, acabou indo pra latrina. Amor é enquanto.

Aí você seguiu sua vida. Agulhinha de palheiro estrangeiro. Estranho estrangeiro. Não consegui entender tudo aquilo. E eu segui a minha. Vivi amores, embora soubesse que você queria viver a vida. Amar é um vício, sempre te disse isso. Amei um. Dois. Três. Enquanto você amava a vida. Não sei qual dos dois foi melhor. Seu vício sempre foi viver, o meu sempre foi amar. E amei de perder a vida. E me lembro: a aliança caiu no bueiro. Adeus às nossas costuras. Aos bordados feitos por mãos pacientes. Era nisso que acreditávamos.

Até que, nos meus amores, te percebi nos meus atos. Teu riso eu imitava no meu. Teu olhar triste, que me partia ao meio, eu copiava - era assim que eu partia, transversalmente, meus novos amores. Você desligava o telefone quando surgiam as brigas, criava silêncios absolutos para resolvê-las, chorava silenciosamente as dores, ria com uma veia perturbadora na testa, suava depois do café. É você quem eu imito todos os dias. Para te ter, mesmo que seja em mim mesma. Para fazer sofrer a quem eu, hoje, amo. Para parecer amar mais. Para parecer amar menos.

Não sei em que momento acreditei que jogar a aliança na latrina fosse te afastar de mim. Quando o anelzinho de metal ainda estava no meu dedo, eu ainda era eu. Quando ele saiu de mim, passei a ser você.