domingo, 4 de julho de 2010

É o mar

"É o mar, é o mar, fé-fé, chororô..."

Muita terra, muita terra. Chão, léguas de terra à frente. Deu quase pra pensar que o planeta não era geoidal, como se dizia aos quatro cantos por aí. Muito bom. Terra pra se andar, terra pra se segurar. Terra de onde viemos, para onde vamos: a terra. Terra é de Virgem, terra é das virgens, que se melam sempre do profano, após o rompimento do que, um dia, já foi sagrado. Muita terra à frente, terra que segura os pés, que segura o corpo, por forças conhecidas: gravidade, atrito, normal, ação, reação. Aquilo que prende o homem à terra, que dá a ele o cheiro do conhecido, o sentimento seguro, nem lá, nem cá, nem sal, nem açúcar, nem pesadelo, nem sonho, talvez a paz que a terra dê, talvez o comodismo que a terra dá. A terra é uma ilusão, porque sempre vem o mar por aí.


E as léguas de terra à frente. Aquelas léguas de que falei, sim! Aquela que iludia o homem, que o fazia acreditar na planitude do planeta. A terra foi-se inundando. Lá de longe vinha a água, e vinha, e vinha se aproximando - inicialmente de forma lenta, para, em seguida, se acercar em uma velocidade incontrolável - a destruir todas as barragens e paisagens que um dia compuseram aquela imensa massa continental . E ela foi-se acercando, a água, e cercando a massa disforme, formando uma ilha. Uma ilha de mim, uma ilha cega, que não via respostas no mar misterioso e infinito, assim como não as via na terra interminável, que simulava a planitude do planeta. E era o mar, era o mar, que, apesar da fé e do chororô, tragou, engoliu e absorveu aquela pequena porção de areia, que, não, nunca teve o direito de ficar sozinha.

Pintura: Turner, Vapor numa Tempestade de Neve, 1842.

Um comentário:

Débora S. Britto disse...

Quando eu crescer quero lidar com metáforas assim, como tu faz. :)