sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Considerações sobre o boy magia


Boy magia é o príncipe encantado da contemporaneidade. Ele não anda de cavalo branco, mas é tão altivo e soberano quanto aquele dos tempos medievais. O boy magia pode ter carro, moto, bicicleta ou nada. Não importa. O que vale mesmo, no boy magia, é a atenção de pegar as donzelas em casa. Pode até ser de ônibus.

O boy magia é, como diz o próprio nome, mágico. Ele sai da Revista Caras para a vida real: veste-se bem, vai à praia, caminha pela manhã, aprecia bons vinhos, ama a família e tem vários projetos para o futuro. O boy magia é tão perfeito que não se chama "boy perfeito" e, sim, "boy magia"

O boy magia medita. Ou cozinha. Ou fotografa. Ou escreve. Ou canta. Ou desenha. Ou varre a casa e lava os pratos.

O boy (magia) desce na Terra e escuta as músicas que você escuta, vê os filmes que você vê, lê os livros que você lê, conversa o que você gosta de conversar e ainda consegue acrescentar coisas novas.

O boy magia tem perfume de magia. Só ele usa o perfume Sinsalabim, da Dior. Fora de mercado.

O boy magia faz massagem. Nas costas, nos pés, nas mãos e no ego.

O boy magia é natural. Nada é forçado, tudo é feito com tranquilidade. Gosta de sucos e comidinhas vegetarianas.

O boy magia diz que te adora. Que as suas mãos são lindas. Que o seu cabelo é macio. Que o seu rosto é perfeito. Que você é a pessoa perfeita. Que o seu olhar é profundo. Que a sua voz é um canto. Que você é quem ele sempre procurou.

O boy magia, meninos, diz as coisas mais lindas do mundo. Ainda que - no final, assim como vocês - ele só queira uma noite de sexo.


terça-feira, 18 de outubro de 2011

dá a mão!

- tu é menina bonita, viu. eu gosto de abraçar, tás vendo como eu gosto de abraçar? me abraça, vai. menina tu tem olho angular. te vi lá de longe. você veio vindo. você veio vindo com aquela cara de quem eu sempre procurei. aí tu veio com esse lencinho no pescoço, cara de francesa, e eu besta te chamei. e tu, besta, veio. menina, tu tem óim de menina. muito lindo! vamo pra casa, vamo? a gente toma banho, liga o ar e dorme. amanhã eu faço café pra tu. tu gosta como? fraco ou forte? teu fraco é café forte, né? também. menina, me beija. assim. tu beija bem que só, sabia? eu moro lá longe, aí vim pra cá e te vi ali. gostasse da minha roupa? me ajeita. tô todo desarrumado! menina, amanhã eu vou querer saber de tu. me diz teu telefone. me diz como é tua vida, o que tu faz, quantos anos, quantos irmãos, quais são os livros. vamo agora pra sempre pra longe daqui? agora, agorinha? tá! vamo nessa. dá a mão!

toda alegria engorda o inefável
toda alegria é surda.

é muda.
é cega.
é burra.
é boa.

domingo, 9 de outubro de 2011


A questão
Eucanaã Ferraz
Como decidir do desejo?
Algum padrão diz do que
e de quanto vive?

Ele vive do que deseja?
É uma necessidade?
Subsiste no fundo do tempo?

Faz-se num minuto? Morre
no outro? Perdura uma existência inteira?
O desejo que não desejamos,

refreá-lo como? Respiramos.
Há interromper-lhe o passo?
O desejo nos ouve?

É cego? É doido? O desejo vê
mais que tudo? São os nossos
os seus olhos? Se os fechamos,

ele finda? Quem pôs o desejo em nós?
Onde está posto? E onde não?
Penetra o sonho, o trabalho, infiltra

nos livros, no óbvio, nos óculos,
na cervical, na segunda-feira e os versos
não sabem outro tema.

Há quem não deseje?
Tudo o que vive deseja?
Faça-se o exercício: não desejar,

por um mês, uma semana,
um dia. O desejo fabrica-se
de nenhum aval? Ele não teme?

Não receia o sal à face da razão?
Não teme a dor, decerto, que dela
parece, por vezes, primo-irmão.

E perguntamos, perplexos. O desejo
é uma forma oblíqua de alegria? Brinca
conosco? Mas, brincarmos com ele,

ai de nós, é de seus truques
o mais fatal. Morremos de desejo?
Com ele removemos pedras?

Por ele removemos montanhas?
Pode o desejo mover o não?
(O não: esta seta o mata?

Ou esta farpa fomenta o que nele nos ultrapassa
e que, sem nome nem fim, não desistirá
senão quando tudo morto em nós?)

Química tão secreta,
não vale a pena qualquer pesquisa,
uma pluma, este poema.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

próximo verão (aqui inverno)

eu falo calma com os olhos. você concorda e ri. você sabe que a história vai ser longa e que não temos pressa nem urgência de viver o que sabemos que, inevitavelmente, vai acontecer. vai acontecer porque dizem os olhos, a pele e todo o nosso repertório de símbolos. eu falo calma com os olhos. você me responde com calma. sim. teremos o nosso tempo. amanhã ou depois, inevitavelmente, o vidro transparente se quebrará e, aí, magnetismo.

os seus cabelos molhados no meu travesseiro. o meu celular no seu sofá. xícaras com café e pratos sujos no domingo. preguiça. o filme que começa acompanhado e acaba sozinho, quando o verdadeiro prazer está in duo... o esquecimento das roupas, do caderno, da escova de dente, do pente... os planos de viagens exóticas, as revistas lidas a dois, as lágrimas, a prece, os abraços e os beijos que desesperadamente unem.

eu falo calma com os olhos, você acata e esperamos o tempo escolher a hora. enquanto isso, observo os cabelos negros, as mãos brancas e os olhos apertados que um dia tocarei. pacientemente. mas, confesso: já comprei duas xícaras de café, o filme que abandonaremos e a escova de dente que esquecerei. quanto à viagem exótica, dentro da gaveta duas passagens para o Marrocos. os beijos e os abraços são grátis.


há quatro anos você só era alguém ali
há três anos e meio você era uma memória adormecida
há três anos, dois anos, um ano você nem era memória
há seis meses você era uma memória a nascer
há três meses, dois meses, também
há um mês você, memória, renasceu
há três semanas, você se tornou a memória mais viva
há duas, o centro das minhas quintas
há uma semana, borboleta no estômago
há uma hora, algo no meu âmago


domingo, 2 de outubro de 2011


Móbile
Eucanaã Ferraz
Passamanarias de arame, papel
e luz, que recobri com a pele,

onde instalei meus ossos desatados percutindo
no vento, está lá

o arabesco,
sem arrimo, pingando um tempo estacionário entre

palmeiras, contra o céu da Voluntários, o Cristo
ao fundo, o cinema. Seu movimento

hesita, esgrima, cigarra, urina, é-não-é,
flores da ferrugem, palavras fáceis e cento

e um dentes ameaçando carros e coisas
elétricas, edifícios em fila, famílias. Fiz

o que tinha de ser. Ficou lá, inútil, ardendo
sobre o trânsito,

o móbile
gigante que seus olhos não viram,

que seus olhos não quiseram,
que seus olhos não e não.

Ficou lá, inútil, adiado
sobre o domingo,

o monstro
que seus cuidados não souberam,

que seu medo não quis,
que nem ao menos.

Está lá, inútil, ardil desativado,
sobre nada,

lixo,
lixo,

mas, esteja certo disto, tinha o tamanho
certo de nos vestirmos com ele, para,

dentro dele, suspensos,
descansarmos na palma um do outro, acredite,

era lindo, era fácil,
era puro.

a memória dos afetos



- Esse ano tá passando rápido, né? Um dia desses, era carnaval...
- Passou mesmo. É verdade. Quando a gente se separou foi em que mês? Foi ano passado?
- A gente se separou muitas vezes, né... Mas tudo o que vivemos juntos mas separados, separado mas juntos, já faz mais de um ano. Início de setembro do ano passado.
- Caramba... Mas o jazz não foi em fevereiro do ano passado?
- Não... Foi em setembro do ano passado.
- Ah, foi! Foi próximo do meu aniversário.Tu me ligou e tudo...

(silêncio)

- Mas aquele dia em que a gente terminou tudo na universidade? Quando era?
- Não lembro... Dezembro?
- Vou descobrir agora nas mensagens do celular. Quer dizer... Deixa pra lá!
- É. Deixa!
- É. Tá...

Quando a memória dos afetos se esquecem do tempo para abraçar os fatos.

- arte de Rodrigo Cavalcanti