segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Em seu próprio interior


Para Cris


Ela acordava sempre muito cedo, tomava uma xícara de café forte para estimular os desejos ao já desestimulante dia. Os momentos passavam seguidamente, sem muitos sobressaltos – trabalho, 40 minutos para o almoço, trabalho, telefonemas, checar e-mails, casa, dormir, acordar... blábláblá. Nos fins de semana encontro com os amigos, geralmente no happy hour da noite de sexta-feira, e o resto dos dias para dormir, reestabelecer as energias, e tudo de novo.
A outra também. A única diferença era que a rotina não era tão exigente, pois o trabalho era mais autônomo. Vendia produtos de beleza, de ervas, de vida = herbalife. Lia bons livros que inclusive possuíam algumas mensagens interessantes, mas eram os best-sellers do mês. Seus conceitos eram, de fato, universais, pois o mundo todo também os tinha; mulheres e meninos do Afeganistão, como liderar uma empresa, o segredo da vida... Eram pensamentos comuns, não por serem baseados na leitura de “livro do mês”, e sim por A outra ser uma pessoa com um presente comum, aceitável e de simples resolução. Era noiva de um gerente de restaurante e, esperava do futuro muitos filhinhos ao pé do sofá, em frente à TV, pedindo “tenção, papa e mama”.
Ela havia se separado do marido no ano passado, depois de quatro anos de relacionamento. Muitas brigas, crises e limites para Ela, que, na verdade, não aceitava tantas imposições. Era uma mulher independente e tinha um bom trabalho, apesar de passar por muitas exigências, e, por isso, não conseguiu sustentar as cobranças de um casamento fechado e sufocante. Enfim, o fim. No começo passou por algumas barras, bebeu demais, fumou demais, transou demais, se arrependeu demais e, agora, amava de menos. Menos amores, sonhos e espiritualidade. Não parecia aquela mulher que lia horóscopos, acendia incensos e tomava chás de ervas. Mudara um pouco, fumava, bebia e tossia bastante. Às vezes se olhava no espelho e via algumas rugas de experiência, mas mesmo assim se sentia muito velha, incapaz de conquistar outro alguém, e se convencia que era mais uma coroa ultrapassada, indesejável e metida a jovem, chegando a beira do ridículo. Era péssimo quando de sentia assim.
A outra também. No apartamento novo que comprou, após o casamento, colocou um grande espelho no meio da sala “para aumentar o espaço, amor”. Se sentia sufocada naquele lugar, não sabia se era o tamanho da sala ou o ciúme do marido, que, agora, não se mostrava mais tão doce e amável como no início. Não agüentava mais ficar em casa aos domingos vendo futebol com o marido pela televisão e já recebia crítica das amigas quanto ao abandono das cervejas do sábado à tarde. Já não saía muito e, talvez por isso, se sentia muito, muito velha. Não parecia aquela mulher que na juventude lia Hermann Hesse e Castañeda, não praticava mais os princípios do Reiki. Vivia para o trabalho e para uma relação desgastada, mesmo recente.
Ela sentia falta de viver outras pessoas, mais interessantes, menos boçais. Era rodeada por um círculo de competições infundadas, em prol de um objetivo nunca declarado, mas evidente. Via-se, algumas vezes, participante desse universo, mas quando se lembrava de um passado jovem transgressor, formava dentro de si uma inconformidade.
Ela queria tornar-se visível ao seu próprio mundo, a sua essência.
A outra também.
Ela lembrou-se de que o aniversário do chefe seria no fim de semana seguinte e, por isso, precisava comprar algum presente, talvez um livro, uma gravata... Melhor um livro, desses best-sellers, capaz de agradar a vários gostos.
A outra precisava comprar “Como Conquistar Os Seus Clientes”, investimento no próprio negócio também era necessário, não é?
Ela, já na livraria, caiu em si de que fazia tempos que não lia um bom livro, ou que não relia um bom livro, pois reler, além de nos trazer à tona uma história interessante, deixa-nos suscetíveis ao cheiro do passado e à idéia da existência de um fim após cada ação - os momentos passam, e não se repetem. Pegou um livro de Hermann Hesse.
A outra também. Sentia falta daquela para-sempre existência dos tempos da juventude. Já não mais suportava as mentiras para um bom convívio social em que era submetida.
Dentro de si, possuíam uma infinidade de desejos ocultos mantidos em reclusão. Pegaram, simultaneamente, O Lobo da Estepe, e, como uma inexistência de destino – lado a lado. Sentiam as vibrações das letras quando chegaram a determinado trecho, como uma inexistência de destino, e liam: “Só em seu próprio interior vive aquela outra realidade por que anseia...”.
Levantaram os olhos e se viram como projeção uma da outra. Jamais o mundo seria novamente o mesmo.
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Pintura de Marlene Dumas
"Jule-die Vrou is a disembodied portrait painting framed in extreme close-up; only the model's eyes and lips are fully rendered attributes of seduction and sexuality. The rest of the painting is obliterated by a corpulent fleshy pink, suggestive of femininity, sin, violence and womanhood. [...]"
Mais no Saatchi-Gallery.co.uk

7 comentários:

Unknown disse...

ela arrasa...sempre.

Unknown disse...

cris ae u.u
de tanto ler caio,oh no q dah haha xD

Unknown disse...

Você não escreve bem, minha flor...
Você já está em um plano diferente das pessoas comuns!!
Quase uma jornalista!!
=O

Bjão bai!
Vc vai loooonge
^^

Anônimo disse...

Barbara, Parabens!
Os textos são ótimos, entrei só para dar uma olhada, e não consegui para de ler ate ter visto o blog inteiro.

novamente,

Parabens!!!

Unknown disse...

gostei, um fato diferente e insteressante, pouco explorado é o interior de um ser humano.

Henrique ;*

marciocolombia disse...

lih tudinh bai =)

bju

marcio

. disse...

A gente procura tanta gente, tanta coisa.
E sempre se perde de si proprio.
É bom, ou reconfortante, se encontrar ou reencontrar.
Mesmo que seja pouco, ou quase nada. É como respirar um pouco, e depois ficar sem ar novamente. Sabe?