sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A história de Franco

Franco acordava todos os dias exercendo a sua característica meticulosidade: desenhava com os dedos as listras do lençol. Contava quantas listras possuíam a cor rosa, quantas eram amarelas. Pensava se as amarelas deveriam ser laranjas ou vermelho ardor. Depois de tal ritual, se levantava. Fixava os dois pés no chão, simultaneamente – sem preferências para o direito ou o esquerdo, pois preferia deixar a sorte e o azar aos encargos do destino. Equilibrava-se. Alisava os cabelos, organizava os fios e os pensamentos.

Franco era meticuloso, como vocês veem, como os homens e mulheres são meticulosos, como o ser humano é, essencialmente, meticuloso, embora teime em dissimular uma característica tão inerente a sua condição de ser pensante.

Franco, depois de organizar os seus pensamentos, encaminhava-se à cozinha, lavava os pratos e sentia, novamente, os seus pensamentos a se embaralharem. Seus pensamentos começavam a pensar sozinhos e iam controversos e o assustava e o encaminhava, novamente, ao pé da cama, para começar tudo de novo. E Franco repetia, novamente, o mesmo ato mecânico de todos os dias: alisava os cabelos, organizava os fios e os pensamentos. Voltava para a cozinha novamente e se sentia, seguramente, bem melhor. Pensava se não estava com manias obsessivo-compulsivas, mas suprimia tais pensamentos a fim de que eles não se enredassem, pensando sozinhos, por lugares nunca dantes navegados.

Depois, Franco tomava seu banho tcheco. tcheco tcheco tcheco. E ia para o trabalho. Au to ma ti za do. Contava o tempo que chegaria à garagem do prédio, a quantidade de sinais vermelhos que teria de enfrentar, os quantos “bons dias” nus de significados teria de dizer para manter em vida um convívio social maquiado. Franco era empresário, contudo a profissão não lhe desse qualquer tipo de identidade. Digitava absorvido, estava seco por dentro, cansado – muito café e poucas horas de sono, contava os segundos para voltar desolado a um lar pouco acolhedor.

Franco, na rua, só via luzes e sombras de seres esqueléticos a esticar pequenas mãozinhas, como se tivessem a pedir algo. Não entendia muito bem aquele fenômeno. Nem procurava entender, pois estava a contar as quantidades: quantos sinais vermelhos teria de enfrentar, os quantos “boas noites” nus teria de dizer, quanto tempo gastaria para chegar, novamente, à garagem do prédio. Não entendia muito bem o que aquela cidade, chamada Mundo, tinha a lhe dizer.

Franco chegava em casa exausto. Levou, certo dia, um susto quando viu o seu peitoral afundado dentro do seu tórax de smokerman, mas acabou esquecendo do seu aspecto físico, afinal havia tantas coisas mais importantes para serem pensadas! Após estacionar o carro, entrava no elevador, chegava em casa, abria a porta e, pela primeira vez no dia, à noite, tomava um banho de verdade. Ritualmente e, para não esquecer, meticulosamente, abria o chuveiro e, pela primeira vez no dia, esquecia-se de si mesmo.

Franco entregava-se, inteiramente, ao fundo do ralo.