terça-feira, 13 de setembro de 2011

Totem e Tabu

Seus cabelos molhados. Minhas roupas lavadas de chuva. Naquele dia, véspera de feriado, choveu bastante. Uma chuva torrencial que inundou todas as possibilidades de constituição de uma rotina. Nossos intentos de rotinizar os atos foram quebrados pela chuva que São Pedro mandou.

Naquele dia, eu estava diferente. Não sei se pela chuva, pela véspera de feriado, pelas águas bentas do meu santo protetor ou por seus cabelos molhados. Talvez eu estivesse diferente por você estar diferente e, assim, eu te vi com outros olhos. Chovia muito e tudo o que você queria era um banheiro pra se enxugar. "Que chuva é essa?", você dizia. E não sei por que cargas d'água eu estava amando tudo aquilo. Te ver molhado e sincero. Um pouco inseguro ao meu lado.

Assim que chegamos, você correu pra se enxugar. Eu te esperei do lado de fora do banheiro, molhada mesmo. Quando você saiu, queria almoçar. Queria preencher os vazios estranhos que se criaram entre eu e você, pela primeira vez verdadeiramente sozinhos. Era o almoço, agora, que preenchia, com densidade, o vácuo do nosso contato.

Por ser o vácuo um vazio de ar, me senti contagiada por ele. Estava sem ar e te queria assim. Você estava assim, mas por nervosismo. Eu estava assim por te querer como nunca te quis. Mesmo diante dos desconcertos, me senti completamente bem naquela situação atípica de véspera de feriado, chuva torrencial e possibilidade de não haver aulas, provas, tarefas e discussões. Falta dos professores. São Pedro desrotinizava tudo, por mais que você, inseguro, não quisesse.

Eu disse, antes de fazermos o prato, que eu queria dividir uma cerveja. Sem fome. Você quis comer. Era melhor. Beber não. Tá chovendo. Nos molharíamos novamente. Mas eu quero! Eu queria me molhar de novo da matéria viva que eu sentia latejando, naquele dia, exatamente na palma da minha mão. Eu queria uma cerveja porque, somente assim, eu faria com que você se livrasse dos tabus que, naturalmente, nos impediam.

Você não quis. Algumas coisas menos carne foi o meu prato. Carnes e qualquer coisa foi o seu. E nos alimentamos, ali, a falar de pessoas e fatos triviais. "O que tu acha de Paulo?". "Ahh... Acho ele legal. Normal, na verdade". "E Tatiana?". "Soubesse da história de Carlos e Júlia?". "Não..." E eu só pensava em tornar tudo ainda mais tenso e desconcertante, respondendo as suas longas questões com todo o meu repertório de monossílabos. Queria te fazer tomar uma dose. Assim, adeus aos tabus.

Depois do almoço, nos sentamos em um banco qualquer. "Será que vai ter aula hoje?". "Não sei... Acho que não". Vazios desconcertantes. Você sabia onde eu queria estar, mas por medo, pelo tabu natural, preferiu o banco, angularmente quadrado. Eu queria uma cerveja, você sugeriu café. Tomei, mas só porque você quis. O café, frio. Estava na hora de ir embora, você disse. Já? Falei. Não. Fica mais um pouco. Você ficou, mas era melhor ir embora. Sabe por que, né? Eu sabia, era claro, de tudo. Tá bom... Um abraço amigo e um aceno de despedida.

Naquele dia, véspera de feriado, São Pedro mandou uma chuva enorme que me fez te querer como um totem. Eu te queria de forma divina e você, pelo tabu, escolheu o denso almoço, o café frio, um abraço amigo e um "até segunda-feira". Eu te queria, ali, como um deus. Mal sabíamos que, depois do feriado, eu entraria em uma história completamente diferente. O desejo de te ter por inteiro, então, ficou suspenso no ar.


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